Pizzaballa sobre mártires de Damasco:
exemplos de perdão na violência
O
Patriarca Latino de Jerusalém celebrou em Roma uma missa de ação de graças pela
canonização dos missionários franciscanos e dos irmãos Massabki, mortos pelo
ódio à fé em 1860: no Oriente Médio de hoje, invadido pelo ódio, o martírio dos
cristãos é a discriminação.
Beatrice Guarrera - Vatican News
“Estes nossos irmãos, os frades menores e os irmãos
Massabki, deram o sangue por Jesus, não por heroísmo, mas por amor”. Com essas
palavras, o Patriarca de Jerusalém dos Latinos, cardeal Pierbattista
Pizzaballa, resumiu o significado do sacrifício dos “mártires de Damasco”, na
homilia da missa de ação de graças pela canonização, que presidiu na manhã
desta segunda-feira (21/10) em Roma, na Basílica de Santo Antônio de Pádua.
Durante a celebração - que também contou com a
presença do Custódio da Terra Santa, Pe. Francesco Patton, juntamente com uma
grande delegação de religiosos - Pizzaballa se deteve no significado do
martírio, que “não é a expressão de um desejo de morte, mas uma escolha que
expressa um profundo amor e uma suprema fidelidade ao que nos é mais caro”. É
por isso, disse ele, ”que é o maior testemunho de fé. Os mártires nos mostram,
por meio de suas vidas, o poder da fidelidade a Deus, que permanece inabalável
mesmo diante da morte”. O martírio, entretanto, também é profecia, porque
“indica uma maneira nova e diferente de se posicionar em meio à violência e ao
mal”: “a maneira cristã de confrontar o poder do mal no mundo é a cruz. Estar
com Cristo na cruz significa não ter medo da morte, mas manter vivo o desejo de
doação, de amor livre, de perdão”.
Lembrando o gesto de um dos irmãos que, antes de ser
morto, tentou salvar as espécies eucarísticas no tabernáculo, Pizzaballa
acrescentou que “o martírio também pode ser entendido como um ato eucarístico.
Se a Eucaristia é a celebração do mandamento do amor, é o memorial da morte e
ressurreição de Cristo, o martírio mostra seu cumprimento na realidade do
mundo”. Aqueles que deram a vida pelo Evangelho ajudam “a manter sempre viva a
originalidade cristã”, que diante da lógica do mundo, dominada pela força, pelo
senso de superioridade, pela vitória, pela riqueza e pelo poder, “responde com
o dom de si, o desejo do bem, a coragem do perdão, a fidelidade à verdade e à
justiça, o amor gratuito”.
“É a força dos mansos que herdam a terra”, observou o
cardeal. Para o mundo, os mártires são perdedores, assim como Jesus foi um
perdedor na cruz. Mas para nós, crentes, eles tornam visível o poder de Deus
(cf. 1 Cor 2, 5)”.
O cardeal Pizzaballa, então, reservou um pensamento
para o Oriente Médio de hoje, “invadido pelo ódio, pelo fanatismo religioso,
pelo desejo de vingança e retaliação, que são a causa da violência brutal não
apenas física, mas em tantas outras formas”, “um contexto no qual tantos
cristãos têm oportunidades negadas, direitos negados, são maltratados ou
simplesmente esquecidos, apenas porque continuam a seguir Cristo”. Em certo
sentido, enfatizou, "isso também é uma forma de martírio".
Neste momento, acrescentou o Patriarca,
“testemunhamos a ilusão de acreditar que as perspectivas de paz podem ser
construídas com o uso de armas. Há um sentimento de desconfiança, falta de
esperança e indiferença em relação à morte e à dor dos outros. Vimos o que isso
produziu: escombros por toda parte. A destruição, antes de ser material, é
moral, humana”. Embora “a interferência externa, seja ela política ou não,
tenha certamente desempenhado um papel nessa deriva, como na época de nossos
mártires”, ela não pode, entretanto, justificar tudo o que aconteceu.
“Deveríamos realmente fazer penitência”, disse o Patriarca, ”e pedir perdão a
Deus por tudo isso. E reconhecer que mesmo as religiões, em suas formas institucionais,
não demonstraram grande liberdade e capacidade de profecia”.
Nesse contexto, a pequena comunidade cristã no
Oriente Médio é continuamente provada, como foi na época dos “mártires de
Damasco”, lembrou Pizzaballa: “de Gaza ao Líbano, da Síria ao Iraque, do Egito
ao Sudão, há muitos de nossos irmãos e irmãs na fé que sofrem todos os dias.
Mas, junto com essas tragédias, também devemos nos lembrar da maravilhosa
fidelidade a Cristo que eles sabem oferecer. Devemos reconhecer a força e a
beleza do testemunho de não poucos jovens cristãos, por exemplo, que nas
paredes das igrejas destruídas por bombas, há não muitos anos, queriam
escrever: 'Mas nós os perdoamos!' Essa é a maneira cristã de estar no Oriente
Médio”.
Mesmo hoje, portanto, o poder da cruz pode ser
“luminoso” e dar conforto: “não permitiremos que a lógica da violência tenha a
última palavra”, exortou o Patriarca, “ou que seja a única voz no Oriente
Médio”. Esta, portanto, é a beleza do testemunho cristão e o significado de sua
presença nessas terras, marcadas pela vida de Jesus e banhadas em todas as
épocas pelo sangue dos mártires cristãos, a presença luminosa de Cristo: ser,
com palavras e ações, a força da vida, a oferta de fraternidade e acolhimento,
o desejo de bem para todos, a coragem do perdão”.
Em seguida, o cardeal lembrou e saudou os fiéis da
Síria, agradecendo-os “por sua serena tenacidade ao longo desses anos difíceis
de guerra e pobreza. O sangue dos mártires de Damasco foi para vocês uma
semente que fortaleceu sua comunidade cristã que, apesar de tudo, hoje não
desiste, mas continua a dar testemunho de vida e fraternidade”.
Uma oração também foi dirigida “aos irmãos e irmãs
libaneses que perderam suas vidas sob as bombas nos últimos dias” e “aos irmãos
e irmãs da Terra Santa, de Gaza a Belém, até Nazaré”: “como no passado”,
concluiu Pizzaballa, “estou certo de que também hoje, apesar da tempestade
furiosa da guerra, nossa pequena comunidade cristã saberá trabalhar pela
verdade e pela justiça, colaborando com aqueles homens e mulheres de todas as
religiões que não têm medo de se comprometer a construir juntos perspectivas de
paz”. - Fonte: Vatican News