Artigo

Quinta Pregação da Quaresma do cardeal Cantalamessa

Que, nesta Páscoa, o Senhor ressuscitado faça, ele mesmo, ressoar em nosso coração algum daqueles seus divinos “Eu Sou”, sobre os quais meditamos nesta Quaresma! Principalmente aquele que proclama a sua vitória pascal: “Eu sou a ressurreição e a vida. Quem crê em mim, ainda que tenha morrido, ainda que tenha morrido, viverá. E todo aquele que vive e crê em mim, jamais morrerá".

Fr. Raniero Card. Cantalamessa, OFMCap

“EU SOU O CAMINHO, A VERDADE E A VIDA”

Quinta Pregação da Quaresma de 2024

Em nosso itinerário em meio ao Quarto Evangelho, à descoberta de quem é Jesus para nós, chegamos à última etapa. Entramos naqueles que se costuma definir “os discursos de adeus” de Jesus e aos seus apóstolos. Desta vez, não tento nem mesmo fazer um resumo do contexto e trazer à luz as diversas unidades e subdivisões. Seria como querer traçar quadros e distinguir setores em uma lava fundida que desce da cratera. Por isso, vamos diretamente à palavra que queremos captar nesta meditação:

“Na casa de meu Pai há muitas moradas. Se não fosse assim, eu vos teria dito, porque vou preparar-vos um lugar. E depois que eu tiver ido preparar-vos um lugar, voltarei e vos levarei comigo, a fim de que, onde eu estiver, estejais vós também. E para onde eu vou, sabeis o caminho”. Tomé disse: “Senhor, não sabemos para onde vais. Como podemos saber o caminho?”. Jesus respondeu: “Eu sou o caminho, a verdade e a vida. Ninguém vai ao Pai senão por mim” (Jo 14,2-6).

“Eu sou o caminho, a verdade e a vida”: palavras que apenas uma pessoa no mundo poderia pronunciar e pronunciou de fato. Cristo é o caminho e é a meta da viagem. Como Verbo eterno do Pai, é a verdade e a vida; como Verbo feito carne, é o caminho.

Tivemos ocasião para contemplar Cristo como Vida, comentando a sua palavra “Eu sou o pão da vida”, como Verdade comentando outra sua palavra “Eu sou a luz do mundo”. Concentremo-nos, por isso, em Cristo Caminho. Após ter contemplado Cristo como dom, temos a ocasião para contemplá-lo como modelo. “Como – escreve Kierkegaard – a Idade Média se desviara sempre mais ao acentuar o lado de Cristo como modelo, Lutero acentuou o outro lado, afirmando que ele é dom e que este dom, compete à fé aceita-lo”. Mas agora – acrescentava o mesmo autor – deve-se insistir também em Cristo modelo, se não quisermos que a doutrina sobre a fé se resuma a uma folha de figo que cubra as omissões mais anticristãs[1].

Jesus continua a dizer àqueles que encontra – isto é, a nós, neste momento – o que dizia aos apóstolos e àqueles que encontrava durante a sua vida terrena: “Vinde após mim”, ou mesmo ao simples “Segue-me!”. O seguimento (em grego, acolouthia) de Cristo, é um tema ilimitado. Sobre ele, foi escrito o livro mais amado e mais lido na Igreja, após a Bíblia, ou seja, a Imitação de Cristo. Limita-nos em dizer sobre ele o tanto que nos serve para passar a algumas aplicações práticas, sempre de caráter espiritual e pessoal, como nos determinamos nestas meditações.

O tema do seguimento de Cristo ocupa um lugar relevante no IV Evangelho. Seguir Jesus é quase sinônimo de crer nele. Crer, contudo, é uma atitude da mente e da vontade; a imagem do “caminho” e do “caminhar” evidencia um aspecto importante do crer, que é o “caminhar”, isto é, o dinamismo que deve caracterizar a vida do cristão e a repercussão que a fé deve ter na conduta de vida. O seguimento – ao contrário da fé e do amor – não indica apenas uma atitude particular da mente e do coração, mas delineia ao discípulo um programa de vida que implica um compartilhamento total: do modo de viver, do destino e da missão do Senhor.

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Com a relevância dada ao episódio da lavagem dos pés, João quis sublinhar um âmbito particular e prioritário do seguimento de Cristo, o do serviço (Jo 13,12-15). Mas não falarei do serviço. A este tema, dediquei a última pregação da Quaresma passada, e não é o caso de me repetir. Também porque creio ser o menos qualificado para falar de serviço, tendo exercido, em minha vida, quase que apenas “o serviço da Palavra” que, por mais importante que seja, é também relativamente fácil e mais gratificante do que muitos outros serviços na Igreja.

Gostaria mais de falar do que caracteriza o seguimento de Cristo e o distingue de todo outro tipo de seguimento. De um artista, de um filósofo, de um letrado, diz-se que se formou na escola deste ou daquele renomado mestre. Também de nós, religiosos, diz-se que nos formamos na escola, de Bento, de Domingos, de Francisco, de Inácio de Loyola e de outros homens ou mulheres. Mas, entre este seguimento e o de Cristo há uma diferença essencial. Ela é expressa, como melhor não se poderia fazer, pelas palavras do próprio João, no final do Prólogo do seu Evangelho: “A Lei foi dada por meio de Moisés; a graça e a verdade vieram por Jesus Cristo (Jo 1,17).

Para nós, religiosos, isto significa: a regra nos foi dada por meio do nosso Fundador ou Fundadora, mas a graça e a força para colocá-la em prática só nos vêm de Jesus Cristo. Para nós e para todos os cristãos, do mesmo modo, esta palavra significa também uma outra coisa, ainda mais radical: o Evangelho nos foi dado pelo Jesus terreno, mas a capacidade de observá-lo e pô-lo em prática só nos vem de Cristo ressuscitado, mediante o seu Espírito!

A respeito, Santo Tomás de Aquino escreveu palavras que, nos lábios de um doutor menos fidedigno do que ele, deixar-nos-iam perplexos. Comentando a frase paulina “a letra mata, mas o Espírito faz viver” (2Cor 3,6), ele escreve: “Por letra, entende-se toda lei escrita que permanece fora do homem, mesmo os preceitos morais contidos no Evangelho; por isso, também a letra do Evangelho mataria, se não fosse acrescentada a graça da fé que cura”[2].E pouco antes disse explicitamente que “a graça que nos cura” não é outra coisa senão “a mesma graça do Espírito Santo que dada aos crentes”[3]. Entendera-o por experiência pessoal Santo Agostinho e, por isso, inventou aquela sua extraordinária oração: “Senhor, tu me ordenas ser casto. Pois bem, dá-me o que me ordenas e de pois ordena-me o que quiseres”[4].

Eis porque boa parte dos discursos de Jesus na última ceia tem por assunto o Espírito Paráclito que ele enviaria sobre os apóstolos. Recordemos algumas das promessas a respeito:

Tenho ainda muitas coisas a vos dizer, mas não sois capazes de suportá-las agora. Quando ele vier, o Espírito da Verdade, então ele vos guiará a toda a verdade. Ele não falará de si mesmo, mas dirá tudo quanto tiver ouvido e vos anunciará as coisas que hão de vir. Ele me glorificará, porque receberá do que é meu, para vo-lo anunciar (16,12-14).

Se Jesus é “o Caminho” (em grego, odòs), o Espírito Santo é “o Guia” (em grego, odegòs, ou odegìa). Assim já o definia São Gregório de Nissa[5], e assim o invoca a Igreja Latina no Veni Creator. Os dois versículos “Ductore sic te praevio – vitemus omne noxium”, de fato significam, “assim guiados (ductor) por Vós evitaremos todo mal”.

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Entre as várias funções que Jesus atribui ao Paráclito nesta sua obra em nosso favor, aquela sobre a qual queremos nos deter é a de Sugeridor: “Ora, o Paráclito, o Espírito Santo que o Pai enviará em meu nome, ele vos recordará tudo o que eu vos tenho dito” (14,26). “Ele vos recordará”: a Vulgata Latina traduzia com ipse suggeret vobis: ele vos sugerirá.

O sugeridor, no teatro, está escondido dentro de uma cavidade e está invisível ao público: justamente como o Espírito Santo que ilumina tudo, permanecendo ele invisível e, por assim dizer, nos bastidores. O sugeridor pronuncia as palavras em voz baixa para não ser ouvido pelo público, e também o Espírito fala “em baixa voz”, suavemente. Contudo, diferente dos sugeridores humanos, ele não fala aos ouvidos, mas ao coração; não sugere mecanicamente as palavras do Evangelho, como de um roteiro, mas as explica, adapta, aplica às situações.

Estamos falando, naturalmente, das “inspirações do Espírito”, as chamadas “boas inspirações”. A fidelidade às inspirações é o caminho mais breve e seguro à santidade. Não sabemos em princípio qual é concretamente a santidade que Deus quer de cada um de nós; só Deus a conhece e no-la desvela à medida que o caminho prossegue. Não basta, por isso, ter um programa de perfeição bem claro, para assim realizá-lo progressivamente. Não há um modelo de perfeição idêntico para todos. Deus não faz os santos em série, não ama a clonagem. Cada santo é uma invenção inédita do Espírito. Deus pode pedir a alguém o contrário do que pede a outro. A consequência, daí, é que para alcançar a santidade, o homem não pode se limitar em seguir regras gerais que valem para todos. Deve também entender o que Deus lhe pede, e somente a ele.

Ora, o que Deus quer de diverso e particular de cada um, descobre-se mediante os acontecimentos da vida, a palavra da Escritura, a guia do diretor espiritual, mas o meio principal e ordinário são as inspirações da graça. Estas são solicitações interiores do Espírito no profundo do coração, perlas quais Deus não só dá a conhecer o que deseja de nós, mas dá a força necessária e, frequentemente, também a alegria para cumpri-lo, se a pessoa consentir.

Pensemos no que teria acontecido se Madre Teresa de Calcutá se obstinasse em observar as regras canônicas então vigentes nos institutos religiosos. Até a idade de 36 anos, ela era uma irmã de uma congregação religiosa, certamente fiel à sua vocação e dedicada ao seu trabalho, mas nada que fizesse prever nela algo de extraordinário. Foi durante uma viagem de trem de Calcutá a Darjeeling para seu retiro espiritual anual que aconteceu o fato que mudou a sua vida. O Espírito Santo lhe “sussurrou” ao ouvido do coração um claro convite: deixa a tua ordem, a tua vida precedente, e põe-te à minha disposição para uma obra que te indicarei. Entre as filhas de Madre Teresa, este dia – 10 de setembro de 1946 – é recordado com o nome de “Dia da Inspiração”.

Quando se trata de decisões de importância para nós mesmos ou para outros, a inspiração deve ser submetida e confirmada pela autoridade, ou pelo próprio padre espiritual. Assim fez, de fato, Madre Teresa. Nós nos expomos ao perigo se nos confiarmos unicamente à nossa própria inspiração pessoal.

As boas inspirações têm algo em comum com a inspiração bíblica, à parte, naturalmente, a autoridade e o alcance que são essencialmente diversos. “Deus disse a Abraão...”, “O Senhor falou a Moisés”: este falar do Senhor não era, do ponto de vista da fenomenologia, algo de diverso do que aconteceu nas inspirações da graça. A voz de Deus, também no Sinai, não ressoava ao exterior, mas dentro do coração sob forma de clareza, de impulsos, originados pelo Espírito Santo. Os dez mandamentos não foram inscritos pelo dedo de Deus em tábuas de pedra (é-nos difícil até de imaginá-lo!), mas no coração de Moisés, que depois inscreveu em tábuas de pedra. “Foi sob o impulso do Espírito Santo que alguns falaram da parte de Deus (2Pd 1,21); eram eles a falar, mas movidos pelo Espírito Santo; repetiam com a boca o que escutavam no coração. Deus, diz o profeta Jeremias, grava a sua lei nos corações (Jr 31,33).

Toda fidelidade a uma inspiração é recompensada por inspirações sempre mais frequentes e mais fortes. É como se a alma se exercitasse para chegar a uma percepção sempre mais clara da vontade de Deus e a uma maior facilidade ao cumpri-la.

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O problema mais delicado, acerca das inspirações, foi sempre o de discernir aquelas que vêm do Espírito de Deus daquelas que provêm do espírito do mundo, das próprias paixões, ou do espírito maligno. O tema do discernimento dos espíritos tem passado nos séculos por uma notável evolução. À origem, era concebido como o carisma que servia para distinguir – entre as palavras, orações e profecias pronunciadas na assembleia – quais provinham do Espírito de Deus e quais não. Em seu exercício comunitário, o carisma da profecia deve ser acompanhado, para o Apóstolo, por aquele do discernimento dos espíritos: “A outro, (é dada) a profecia; a outro, o discernimento dos espíritos” (1Cor 12,10).

O sentido originário do carisma, entendido por Paulo, parece ser muito preciso e limitado. Refere-se à recepção da própria profecia, a sua avaliação, da parte de um ou mais membros da assembleia, também eles dotados de espírito profético. Também isto, porém, não em base a uma análise racional, mas a uma inspiração do mesmo Espírito. O sentido de discernir (diakrisis) oscila, portanto, entre distinguir e interpretar: distinguir se quem falou foi o Espírito de Deus ou um espírito diverso, interpretar o que o Espírito quis dizer em uma situação concreta. A este mesmo dom do discernimento, refere-se a conhecida recomendação do Apóstolo: “Não apagueis o Espírito, não desprezeis as profecias, mas examinai tudo e guardai o que for bom. Afastai-vos de toda espécie de mal” (1Ts 5,19-22).

Se devemos levar em conta a experiência atual dos movimentos pentecostais e carismáticos, devemos pensar que este carisma consistisse na capacidade da assembleia, ou de alguns nela, de reagir ativamente a uma palavra profética, a uma citação bíblica, ou a uma oração, expressando – com a exclamação “confirmo!”, ou com outros pequenos sinais de cabeça e voz – aprovação pela palavra escutada, ou mostrando, ao contrário – com o silêncio e passando a outro – um juízo negativo. Desta forma, a verdadeira e a falsa profecia passam a ser julgadas “pelos frutos” que produzem ou não, como justamente recomendava Jesus (cf. Mt 7,16). Este significado originário do discernimento dos espíritos – aliás – poderia de grande atualidade ainda hoje em debates e reuniões, como aqueles que começamos a experimentar no diálogo sinodal.

Em época sucessiva, na espiritualidade tanto oriental quanto ocidental, o carisma do discernimento dos espíritos tem servido sobretudo para discernir as inspirações do discípulo da parte de um ancião (como no monaquismo) e, mais geralmente, para discernir as próprias inspirações. A evolução não é arbitrária; trata-se, de fato, do mesmo dom, mesmo se aplicado a sujeitos e em contextos diversos: o contexto comunitário no primeiro caso, o pessoal no segundo.

Há critérios de discernimento que poderíamos chamar objetivos. No campo doutrinal, eles se resumem para Paulo no reconhecimento de Cristo como Senhor: “Ninguém, falando pelo Espírito de Deus, vai dizer: ‘Jesus seja maldito’, como também ninguém será capaz de dizer: ‘Jesus é Senhor’, a não ser pelo Espírito Santo” (1Cor 12,3); para João, resumem-se na fé em Cristo e na sua encarnação:

Caríssimos, não creiais em qualquer espírito, mas examinai os espíritos para verdes se são de Deus, pois muitos falsos profetas vieram ao mundo. Nisto conheceis o Espírito de Deus: todo espírito que confessa Jesus Cristo vindo na carne, é de Deus. E todo espírito que não confessa Jesus, não é de Deus (1Jo 4,1-3).

No campo moral, um critério fundamental é dado pela coerência do Espírito de Deus consigo mesmo. Ele não pode pedir algo que seja contrário à vontade divina, tal como é expressa na Escritura, no ensinamento da Igreja e nos deveres do próprio estado. Uma inspiração divina jamais pedirá para cumprir atos que a Igreja considera imorais, por mais que a carne seja capaz de sugerir argumentos ilusórios contrários nestes casos; por exemplo, que Deus é amor e, por isso, tudo o que se faz por amor vem de Deus.

Contudo, às vezes estes critérios objetivos não bastam, porque a escolha não é entre o bem e o mal, mas é entre um bem e um outro bem, e se trata de ver qual é a coisa que Deus quer, em uma circunstância precisa. Foi sobretudo para responder a esta exigência que Santo Inácio de Loyola desenvolveu a sua doutrina sobre o discernimento.

Sinto quase vergonha de falar sobre este tema nesta sede..., mas vamos falar pelo menos alguma coisa. O santo nos convida a observar as intenções – ele as chama de “espíritos” – que estão por trás de uma escolha e as reações que ela provoca. Sabe-se que o que vem do Espírito de Deus traz consigo alegria, paz, tranquilidade, doçura, simplicidade, luz. O que provém do espírito do mal, ao contrário, traz consigo perturbação, agitação, inquietação, confusão, trevas. O Apóstolo o põe em evidência contrapondo os frutos da carne (inimizades, contenda, ciúmes, iras, intrigas, discórdias, invejas) e os frutos do Espírito, que são, ao contrário, amor, alegria, paz, paciência, amabilidade, bondade, lealdade, mansidão, domínio próprio (Gl 5,22).

Na prática, as coisas, é verdade, são mais complexas. Uma inspiração pode vir de Deus e, apesar disso, causar uma grande perturbação. Mas isto não é devido à inspiração doce e pacífica, como tudo o que provém de Deus; antes, nasce da resistência à inspiração ou do fato de ela nos pedir algo que não estamos prontos a lhe dar. Se a inspiração for acolhida, o coração logo se encontrará em uma profunda paz. Deus recompensa cada pequena vitória neste campo, fazendo com que a alma sinta a sua aprovação, que é a alegria mais pura que existe no mundo.

Um campo no qual é importante praticar o discernimento – além daquele das intenções e das decisões – é o âmbito dos sentimentos. Nada é mais traiçoeiro do que o amor. A natureza é habilíssima em deixar passar, como proveniente do espírito, o que ao invés provém da carne. Neste campo, é mais do que nunca necessário levar em conta o conselho que o poeta latino Ovídio dava justamente a propósito dos males do amor: “Principiis obsta. Sero medicina paratur cum mala per longas convaluere moras: “Opõe-te aos começos. Tarde toma-se o remédio quando os males, pelos muitos adiamentos, ganharam força”[6].

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O fruto concreto desta meditação deve ser uma decisão renovada de nos confiarmos em tudo e por tudo à guia interior do Espírito Santo, como uma espécie de “direção espiritual”. Devemos todos nos abandonar ao Mestre interior que nos fala sem tumulto de palavras. Como bons atores, devemos ter o ouvido voltado, nas grandes e pequenas ocasiões, à voz deste “sugeridor” escondido, para interpretar fielmente a nossa parte na cena da vida. É o que se entende com a expressão “docilidade ao Espírito”.

É mais fácil do que pensamos, porque ele fala dentro de nós, ensina-nos tudo, instrui-nos sobre tudo. Às vezes, basta um simples olhar interior, um movimento do coração, um momento de recolhimento e oração. João escreve em sua Primeira Carta:

Quanto a vós, a unção que dele recebestes permanece convosco, e não tendes necessidade de que alguém vos ensine. A sua unção vos ensina tudo, e ela é verdadeira e não mentirosa (1Jo 2,27).

Sobre estas palavras, Santo Agostinho instaura um debate inusitado e vivaz com o Apóstolo. Em seu comentário à Primeira Carta de João, escreve:

Pergunto a João: “Aqueles aos quais dirigias estas palavras já tinham a unção... Por que então escreveste a eles esta carta? Por que instruí-los?”... Aqui há um grande mistério sobre o qual é preciso refletir, irmãos. O som das nossas palavras atinge os ouvidos, mas o verdadeiro mestre está dentro... Nós podemos exortar com o som da voz, mas, se dentro não está quem ensina, trata-se de um barulho inútil[7].

Se acolher as inspirações é importante para todo o cristão, é vital para quem tem funções de governo na Igreja. Só assim se permite ao Espírito de Cristo guiar a sua Igreja mediante seus representantes humanos. Em um navio, não é necessário que todos os passageiros estejam com os ouvidos grudados no rádio de bordo, para receber sinais sobre a rota, sobre eventuais icebergs e sobre as condições do tempo, mas é indispensável que os responsáveis de bordo estejam. De uma “inspiração divina”, acolhida corajosamente pelo Papa São João XXIII, nasceu o Concílio Vaticano II. Da mesma forma, depois dele, nasceram outros gestos proféticos, que aqueles que vierem depois de nós perceberão.

Que, nesta Páscoa, o Senhor ressuscitado faça, ele mesmo, ressoar em nosso coração algum daqueles seus divinos “Eu Sou”, sobre os quais meditamos nesta Quaresma! Principalmente aquele que proclama a sua vitória pascal: “Eu sou a ressurreição e a vida. Quem crê em mim, ainda que tenha morrido, ainda que tenha morrido, viverá. E todo aquele que vive e crê em mim, jamais morrerá (11,23-26).

Santo Padre, irmãos e irmãs, Feliz Páscoa!

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Tradução Fr. Ricardo Farias, ofmcap

[1] Cf. Diário, X 1 A 154.

[2] Cf. Tomás de Aquino, Summa theologiae, I-IIae, q. 106, a. 2.

[3] Cf. Ibid., q. 106, a. 1; cf. Agostinho, De Spiritu et littera, 21, 36.

[4] Cf. Agostinho, Confissões, X, 29.

[5] Cf. Gregório de Nissa, De fide (PG, 45, 141C).

[6] Cf. Ovídio, Remedia amoris, V,91.

[7] Cf. Agostinho, Tratado sobre a Primeira Epístola de João, 3,13.

 

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