Pão a quem tem fome
“Senhor,
dai pão a quem tem fome, e fome de justiça a quem tem pão”. Assim oram muitos à
mesa diante do alimento sagrado, reconhecido como dom de Deus e fruto do
trabalho. Rezam fecundados pelo sentido de justiça – alavanca para resgatar
muitos contextos do mapa da fome, onde a falta do que comer cria desolação em
inúmeras famílias. A prece solidária aos que têm fome, que emoldura o sagrado
ato de se alimentar, tem força para semear sensibilidade imprescindível, que
leva o ser humano a reconhecer: o momento dedicado à refeição não diz respeito
somente à satisfação de agradar o paladar, ou de prover uma necessidade básica.
Vincula-se, especialmente, ao dever cidadão de se solidarizar com quem sofre a
dor da insegurança alimentar.
Conforme parâmetros da Organização das Nações Unidas (ONU),
o Brasil está no mapa da fome e constata-se um movimento governamental, de
muitas instituições e segmentos da sociedade para superar essa triste
realidade. Mas ainda há de se percorrer um longo e árduo caminho, que contempla
incisivas mudanças de hábitos e estilos de vida, para que todos sejam
respeitados no direito básico à alimentação. Particularmente, é preciso vencer
a cultura do descarte e do desperdício, inquietando-se com situações desveladas
por estudos bem fundamentados: a fome está bem ali, próxima de cada um, aos
olhos de todos, nas vilas ocupadas pelos mais pobres. Na Capital Mineira,
alcança 40% dos habitantes dos aglomerados. Uma cidade jovem, que guarda grande
potencial para ser configurada por cidadania exemplar, carrega essa grave
ferida – ainda não conseguiu cuidar melhor dos mais pobres, considerando a
grave situação daqueles que passam fome.
O flagelo da fome é desafio humanitário que, para ser
vencido, depende de um profundo sentido de solidariedade, capaz de conduzir as
máquinas governamentais, não raramente emperradas nos entraves burocráticos,
incapacitadas de alcançar quem precisa de cuidado emergencial, cotidianamente.
No combate à fome, autoridades e cidadãos precisam cultivar uma lucidez capaz
de afastá-los do egoísmo e da mesquinhez. Não se deve buscar apenas êxitos em
lucros, avanços técnicos e comerciais. Deve-se partilhar a responsabilidade, se
compadecer e promover amparo aos que estão nas periferias geográficas, em
condições desfavoráveis, feridos em sua dignidade humana. É especialmente
triste a realidade das crianças desnutridas, com suas famílias mergulhadas na
carência alimentar. Esse mal, que se manifesta na realidade contemporânea,
aponta ainda para um futuro sombrio, pois as consequências da fome ultrapassam
o contexto de famílias, para causar prejuízos sociais, acentuando o crescimento
da violência, por exemplo.
Os abastados que se refestelam nas suas comodidades e se
esquecem daqueles que se encontram na penúria agem na contramão de um adequado
sentido de cidadania. É preciso se incomodar ao saber que tem famílias com a
geladeira vazia, sem o essencial para se alimentar. A partir desse incômodo, é
preciso agir solidariamente, com o amparo a quem tem fome e, ao mesmo, tempo,
exercer adequadamente a cidadania, de modo a contribuir para que políticas
públicas sejam formuladas tendo como meta a inclusão dos mais pobres – na
educação formal e técnica, no mercado de trabalho, entre outros campos
essenciais à conquista da dignidade e autonomia.
Preste-se muita atenção porque a cultura atual tende a
propor estilos de ser e de viver contrários à natureza e à dignidade do ser
humano. Especialmente no contexto contemporâneo, deve-se cuidar para que a
assistência emergencial não perpetue condições que desfavoreçam a participação
de todos na construção da sociedade. Mecanismos que permitam aos mais pobres
exercerem adequadamente a cidadania, com dignidade, são urgentes. O combate à
fome e a promoção da inclusão social exigem o enfrentamento de falsos ídolos que
escravizam o ser humano – a ilimitada sede de poder, de riqueza e de satisfação
efêmera – colocados acima do valor da vida do semelhante. Esses falsos ídolos
configuram uma organização social que admite, passivamente, dinâmicas
excludentes. O olhar cidadão é qualificado quando busca contribuir para que
tudo esteja a serviço de todos, igualmente.
Saber que tem cidadãos e cidadãs passando fome ou em
insegurança alimentar deve inspirar providências que configurem um mutirão
humanitário, envolvendo dispositivos governamentais e tantos outros setores. A
meta comum precisa ser resgatar todos os contextos do mapa da fome, porque quem
passa fome não pode esperar. Assim, a opção preferencial pelos pobres e
excluídos é princípio irrenunciável na confissão da fé e também,
intrinsecamente, na configuração da cidadania. A vivência da fé, que precisa
inspirar uma adequada conduta cidadã, deve ser coerente com a identidade e
missão da Igreja Católica – advogada da justiça e defensora dos pobres diante
das intoleráveis desigualdades sociais e econômicas. Há muitas formas de se
trabalhar para promover a inclusão, ajudando muitas pessoas a superarem o
flagelo da fome. Um caminho é aproximar-se de tantas entidades e segmentos que
já estão a serviço dos mais pobres e que precisam ser fortalecidos nessa nobre
missão. Não se pode cair na mesquinhez de viver apenas para defender o próprio
espaço, deixando-se contaminar pelo consumismo individualista, veneno para a
solidariedade.
Saber que tem gente passando fome deve doer na pele de cada
um, urgindo sair de planos teóricos ou mesmo de discursos que não efetivam
mudanças. São necessárias atitudes que reflitam o verdadeiro compromisso com os
pobres, com suas causas e urgências, dedicando tempo aos que sofrem, em uma
escuta atenta e interpelante, com a disposição para acompanhá-los. Ao lado dos
pobres, todos possam se engajar, de modo urgente, para que seja sincera a
oração: “Senhor, dai pão a quem tem fome, e fome de justiça a quem tem
pão”.