Os dados na era da conectividade
Dom Edson José Oriolo
dos Santos- Bispo da Igreja Particular de Leopoldina MG
Quando me sentei pela primeira
vez em frente a um computador, na década de 90, precisei aprender comandos em
inglês no sistema MS-DOS para acessar o editor de texto Wordperfect,
utilizando vários comandos. O computador funcionava por comandos que eram
digitados e, além do mais, em
língua inglesa. Pouco tempo depois, tive acesso ao sistema operacional Windows,
que revolucionou o processo de acesso aos aplicativos, permitindo que se
navegasse por pequenas janelas clicáveis. Em seguida, apareceu o Mouse, outro
recurso que melhorou significativamente a interação com o computador.
O computador, antes do Windows e
do Mouse, era para quem minimamente sabia programar ou no mínimo tinha
agilidade no programar o sistema MS-DOS, o que limitava o computador, mas foi
fundamental para popularização dos computadores pessoais. Nesse tempo, a maior
preocupação era fazer do computador um meio de elaborar uma apostila,
digitalizar alguns conteúdos e, com muita dificuldade, usava-se um disquete
para armazenar e guardar os arquivos elaborados no computador. Naquela época,
era interessante perceber que a máquina conseguia guardar tantas informações, dados
daquilo que se digitava e depois arquivava nos enormes disquetes. Uma máquina
diferenciada, além de potencializar a datilografia, consegue armazenar tudo
aquilo que é trabalho de transpor para o digital todo tipo de informações:
texto, som, fotografias, vídeo, etc. para computador. Uma tecnologia
considerada sui
generis para o senso comum. Uma transformação totalmente inexplicável,
depois do acesso à transmissão de uma carta por fax.
Com o passar dos anos,
continuamos a produzir “dados” para as máquinas, cada vez mais inteligentes, à
medida em que não só acumulam dados e informações, como os processam. Revelando
habilidades de compreensão, fala, audição, visão, resposta à perguntas e
traduções, potencializando essas capacidades humanas. Todos os dias, criamos um
enorme volume de dados para as máquinas inteligentes. A cada minuto, mais de um
milhão de vídeos são acessados no Youtube, 3,5 milhões de
pesquisas são realizadas no Google e
milhões e milhões de mensagens são trocadas no Whatsapp, além das constantes
atualizações no Twitter,
hoje X.
Quando usamos aplicativos de trânsitos Waze e Google
Maps, fornecemos dados a milhares e milhares de usuários. Esses
aplicativos utilizam essas informações para entenderem melhor para onde
milhares e milhares de pessoas desejam ir, qual é melhor trajeto, onde há
pedágios, restaurantes, lanches, hotéis, lojas de conveniência e outros pontos
de interesse.
Assim sendo, toda vez que
acessamos, ou melhor, nos relacionamos com machine learning (aprendizado
de máquina), através de uma busca, de um clique, do acesso a um link, ao fazer
uma curtida, ao nos envolver num site de relacionamento, ao compartilhar uma
informação, estamos
produzindo uma quantidade de dados para as empresas formadoras de opinião,
deixando rastros. Os algoritmos são capazes de terem conhecimento de nossas
inclinações, gostos, projetos, leituras, onde andamos, o que compramos, o que
falamos, nossas opiniões, percebendo quem somos pelos dados que informamos
quando usamos Internet, Smartphone ou
aparelhos smart. Essas informações sobre a ação humana, capturadas pelos
aplicativos, estão modificando o comportamento humano com seus produtos de
previsão.
Na realidade, somos
consumidores e não produtores, pois não controlamos o processo de programação;
apenas usufruímos das suas facilidades. Ao mesmo tempo, somos
condicionados e viciados a consumir aquilo que revelamos ser de nosso interesse. Por
outro lado, quando fazemos pesquisas nos inúmeros aplicativos eles ranqueiam
dados e mais dados das pessoas. A Netflix analisa os
comportamentos de vários usuários e recomenda filmes através do comportamento online e
o Facebook, nas Timeline (ferramentas
versáteis e eficazes para organizar e apresentar informações ao longo do
tempo). Estamos cada vez mais vigiados. Nossos dados estão sendo coletados.
Esses algoritmos têm aprendido os nossos comportamentos. Tecnologias vão
evoluindo e novas empresas vão surgindo. Estamos equipando as máquinas com
câmeras que funcionam como olhos, microfones que atuam como ouvidos e algoritmos
que processam informações, permitindo que entendam o mundo como nós.
Zuboff, autora do livro “A Era
do Capitalismo de Vigilância”, faz
uma crítica às tentativas das plataformas de comunicação e de informação em
fugirem a qualquer controle e em terem domínio absoluto das informações que os
seus usuários deixam ao fazerem uso delas. A ingenuidade é que a maioria dos
usuários não tem consciência disso e, mesmo que tenhamos esse conhecimento,
todos ficamos expostos pelo controle que elas têm dos nossos dados pessoais,
gostos, interesses. A autora passa a maior parte da obra expondo as tentativas
que tais plataformas fazem para não sofrerem qualquer tipo de controle.
A expressão “capitalismo de
vigilância”, difundido por Shoshana Zuboff, é uma nova lógica econômica em
vigor, em que os dados pessoais são monitorados e comercializados por seis
grandes empresas, Google, Amazon,
Facebook, Instagran, Apple e Microsoft. Elas fazem essas mediações, por
meio da “textualização eletrônica” do relacionamento. Pesquisas revelam que 70%
das notícias lidas pela internet são acessadas pelas plataformas Google
e Facebook, onde os algoritmos estão funcionando com seus próprios
critérios e interesses comerciais, políticos, éticos etc. No “capitalismo de
vigilância”, tudo se transforma em um ciclo de extração, predição e venda de
dados pessoais de usuários, na comercialização. As grandes empresas utilizam
essas informações para alimentar inteligências artificiais capazes de antecipar
o comportamento humano em todas as dimensões.
Estamos vivendo numa sociedade
algorítmica que não se preocupa mais com a privacidade, onde a meritocracia e a
vigilância prevalecem. Algoritmos decidem se uma pessoa consegue um emprego ou
não, e podem até prender alguém, prejudicando a reflexão e a análise crítica.
No entanto, devemos pontuar a máxima do papa Francisco: utilizar a ética, no
desenvolvimento e na aplicação dessas novas tecnologias.