Onde estás, Adão?
Os textos da Escritura da liturgia dominical (Gênesis
3,9-15, Salmo 129, 2 Coríntios 4,13-18-5,1 e Marcos 3,20-35) são muitos
provocativos e inquietantes. Jesus provoca fortes reações nos ouvintes por
causa da sua presença, metodologia, ensinamentos, gestos e atitudes. O
Evangelista registra que “se reuniu tanta gente que eles (Jesus e os apóstolos)
nem sequer podiam comer”. Os parentes de “Jesus saíram para agarrá-lo, porque
diziam que está fora de si”. Os mestres da Lei, “diziam que estava possuído por
Belzebu, e que pelo príncipe dos demônios ele expulsava demônios”. Portanto, é
neste ambiente tenso que Jesus opta por ensinar com parábolas e não em forma de
debates, argumentos racionais. A liturgia propõe o livro do Gênesis para compor
o conjunto de textos bíblicos que narra o encontro de Deus com Adão e Eva no
qual acontece um diálogo constrangedor e revelador.
“Onde estás?” Pergunta o Senhor Deus “depois que o homem
comeu da fruta da árvore”. Deus toma a iniciativa do encontro, de maneira
discreta, fazendo sentir a sua presença no jardim. Não foi invocado, não foi
buscado, mas foi lá aonde o homem estava. Deus faz ouvir a sua voz que chama,
isto é, convoca a um confronto com a verdade. A palavra do Senhor toma forma
interrogativa: “Onde estás?”; “E quem te fez saber?” “Acaso comestes?” “Por que
fizestes isso?”. A narrativa do Gênesis revela que o Senhor pretende que os
transgressores confessem seu comportamento errado, de modo a torná-los
conscientes e assumam o mal feito. Uma sincera confissão abre caminho de saída
e para obter gestos de misericórdia.
A pergunta “Adão, onde estás?” direciona-se a cada
indivíduo, a cada grupo, à Igreja, e a toda sociedade. Martin Buber, filósofo
do diálogo e escritor (1878 -1965), comentando esta passagem bíblica, escreve:
“Adão se esconde para não prestar contas, para fugir da responsabilidade da
própria vida. Assim se esconde cada homem […] Assim escondendo-se e persistindo
sempre no escondimento […] o homem se esquiva sempre, e sempre mais
profundamente, na falsidade. Se cria de tal modo uma nova situação que, dia
após dia e de escondimento em escondimento, se torna sempre mais problemática
[…] E é próprio nesta situação que Deus surpreende perguntando: quer inquietar
o homem, destruir o seu artifício de escondimento, fazê-lo ver onde o conduziu
a estrada equivocada […] A partir deste ponto, tudo depende do fato que o homem
se coloque ou não a pergunta” (O Caminho do homem).
“Onde estás?” é uma pergunta que não se pode e nem se deve
fugir. Cada homem está na situação de Adão: sempre tentando fugir de si e das
próprias responsabilidades, da própria estrutura de fragilidade. Adão passou a
culpa para Eva e Eva para a serpente. O texto do Gênesis da criação diz que
Deus “modelou, com o pó do solo, o homem e soprou-lhe nas narinas o sopro da
vida; e o homem tornou-se um ser vivo”. (Gn 2,7). A palavra adão remonta a
argila e a pó. Isto significa que o horizonte humano é constituído pela
fragilidade e pelos limites. Reconciliar-se com esta verdade essencial é o
princípio da sabedoria, porque a presunção ofusca e impede de recomeçar sempre
do começo, com confiança e sinceridade.
“Onde estás?” A pergunta provoca toda a humanidade. Não se
faz necessário muito esforço para ver os grandes problemas da humanidade que
são frutos das escolhas erradas: seja no campo econômico, social, ambiental,
guerras, etc.. A tática de Adão de se esconder e repassar a responsabilidade
para os outros, por vezes, é o método mais usado.
A interrogação de Deus tem mais um objetivo: colocar Adão na
estrada de retorno. A pergunta quer conduzir o ser humano a retornar a si
mesmo, a reconciliar-se com mundo que o rodeia, a encontrar-se com Deus. A
pergunta não é de condenação, mas de salvação.