O enfrentamento dos abusos
Cardeal Sergio da
Rocha - Arcebispo de Salvador (BA)
Há
assuntos sobre os quais pouco se fala, por vergonha ou medo. Dentre eles, estão
os abusos sofridos nas suas várias formas, sexual, emocional e moral. Apesar de
avanços na legislação brasileira e na divulgação do problema, as vítimas têm
ainda muita dificuldade para conversar sobre abusos sofridos e, principalmente,
de denunciar. O assunto não costuma ser abordado, como é necessário, nas
famílias, escolas, igrejas e instituições da sociedade civil.
O Papa Francisco tem sido uma liderança exemplar pela sua
atuação enérgica no combate aos abusos, especialmente contra crianças,
adolescentes e pessoas vulneráveis. A legislação canônica tem sido revista ou
aprimorada e a sua aplicação tem sido rigorosa nos casos envolvendo clérigos.
Iniciativas de prevenção de abusos e a atenção às vítimas têm recebido especial
atenção. Nas dioceses têm sido formadas Comissões para a Proteção de Crianças e
Pessoas Vulneráveis.
Infelizmente, muitos abusos ocorrem nas casas e em outros
ambientes, exigindo a devida atenção e a atuação do poder público não somente
no âmbito da justiça, mas também da prevenção e assistência às vítimas ou
grupos mais vulneráveis. No dia 18 de maio, aconteceu pelo 24º ano, o Dia
Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes,
instituído pela Lei Federal 9.970/2000. São muito importantes as iniciativas
realizadas naquela data, mas o tema necessita de atenção durante todo o ano,
pois o problema continua a ocorrer no dia a dia, permanecendo muitas vezes
escondido no silêncio dos corações traumatizados. Uma sociedade pautada pela
justiça e a fraternidade não pode ficar indiferente, tolerando que a infância
seja ceifada ou negada por violações tão perversas. É preciso dizer não aos
abusos e sim à dignidade de cada pessoa humana nas diversas etapas da vida e condições.
A violência, nas suas múltiplas formas, é sempre cruel e
inaceitável. Quando cometida contra pessoas frágeis e vulneráveis torna-se
ainda pior. A violência praticada nas guerras e conflitos comove causando
repulsa e indignação. Não deveria ser menor a indignação pela violência
representada pelos abusos contra crianças e vulneráveis, com o grito das
vítimas tantas vezes silenciado. Contudo, embora a capacidade de comover-se e
indignar-se seja sempre muito importante, é necessário passar da comoção à
ação.
Os Conselhos Tutelares desempenham um papel fundamental na
efetivação dos direitos da criança e do adolescente, nos estados e municípios.
Necessitam ser mais valorizados, bem como, o Estatuto da Criança e do
Adolescente (ECA). As iniciativas corajosas de igrejas e de outras organizações
sociais são sinais de esperança, mas que exigem passos sempre mais largos no
caminho da promoção e defesa da dignidade humana, principalmente dos pequeninos
e indefesos. O caminho a percorrer no enfrentamento dos abusos é longo, mas
pode ser trilhado juntos.
*Artigo publicado no jornal Correio, em 27
de maio de 2024.