O amor jamais acabará
Dom Rogério
Augusto das Neves, Jornal O São Paulo, 19 de junho de 2024
É comum ouvirmos pessoas que se
separaram no Matrimônio dizerem que o motivo da separação foi que “o amor
acabou”.
Também é comum algumas pessoas citarem
o “hino da caridade (amor)”, da Primeira Carta de São Paulo ao Coríntios (1Cor
13,1-13), aquele que fala que “ainda que eu falasse a língua dos anjos, se não
tivesse amor eu nada seria…”, como sendo uma ode a um amor sentimental, próprio
dos apaixonados. O problema é que tratando do amor apenas como um sentimento,
acabamos por desfigurar o ensinamento cristão, que trata do amor não como algo
que sentimos, mas como uma atitude, uma decisão, uma escolha.
Se pensarmos bem, se o amor pregado por
Jesus fosse apenas um sentimento, como é que poderia se tornar um mandamento?
Pelo menos, foi isso que Jesus disse na Última Ceia: “Eu vos dou um novo
mandamento: que vos ameis uns aos outros. Assim como eu vos amei, também vós
deveis amar-vos uns aos outros” (Jo 13,34). Como é que alguém poderia mandar
que o outro sentisse alguma coisa? Pois o Papa Francisco, na exortação
apostólica pós-sinodal Amoris laetitia, que trata sobre o amor na
família, no capítulo IV, n.s 90-119, enfatiza uma parte do hino à caridade que
não costuma ser muito citada poeticamente como a outra parte. Lá se diz: “O
amor é paciente, o amor é prestável; não é invejoso, não é arrogante nem
orgulhoso, nada faz de inconveniente, não procura o seu próprio interesse, não
se irrita, nem guarda ressentimento, não se alegra com a injustiça, mas
rejubila com a verdade. Tudo desculpa, tudo crê, tudo espera, tudo suporta”
(1Cor 13,4-7). Nesse trecho, parece que São Paulo explica qual é a natureza do
amor que ele diz que jamais acabará (1Cor 13,8). No fundo, o amor aqui é a
personificação daquele que ama. E esse amor parece ir na direção contrária ao
que um ser humano pode apenas sentir. Daí faz sentido o que Jesus disse no
Sermão da Montanha: “Ouvistes o que foi dito: ‘Amarás o teu próximo e odiarás o
teu inimigo’. Eu, porém, vos digo: Amai os vossos inimigos e orai pelos que vos
perseguem!” (Mt 5,43-44).
Então, esse amor é uma decisão. E, só
por isso, pode se tornar um mandamento. Não é apenas um sentimento. No
casamento, a paixão necessariamente passa. Mas, então, o amor deve prevalecer.
Lembro-me de uma falecida professora minha, do ginásio! Poucos dias antes de
sua morte, fiz-lhe uma visita. Ela me falou de suas esperanças e de seu medo.
Mas, também me contou uma experiência de vida. Ela me disse assim: “Sempre
achei que, na minha vida, eu podia dar testemunho de bom exemplo em quase tudo
que eu fiz. Sempre fui boa amiga, boa mãe, boa filha, boa paroquiana, boa
professora. Porém, achava que eu nunca poderia dar um testemunho de casada!
Sempre fui boa esposa, mas achava que não podia dar testemunho de casamento por
causa do meu marido. Ele sempre foi muito desligado, calado, pouco carinhoso,
meio relaxado, gosta de uma bebida, não vai à Igreja etc. Mas, agora que fiquei
doente, ele está sempre ao meu lado, não deixa que a cuidadora me ajude nas coisas
mais pessoais, como o banho, ele mesmo vem fazer essas coisas. Acompanha-me em
tudo, já brigou com o médico que me falou muito friamente que o tumor tinha ido
para minha cabeça e que precisava abri-la. Quando me viu chorar, ele se
revoltou com o médico. No dia em que me viu chorar porque tinha pedido ao padre
que me mandasse um ministro para que eu comungasse todos os dias, e a comunhão
parou de vir, ele saiu e foi à igreja, não sei o que disse ao padre, mas a
comunhão nunca mais faltou. Então, eu sempre pensei que pudesse dar testemunho
de tudo na minha vida, menos de casamento, por causa do meu marido. Hoje,
depois dessa doença, posso dizer que, se existe um testemunho que posso dar na
minha vida é o do casamento, por causa do meu marido. Eu me casei de verdade! E
ele também!”.
A paixão tinha passado havia muito
tempo, mas ela descobriu o amor de seu marido. E descobriu que tinha valido a
pena ter suportado tudo. Poucos dias depois dessa visita, ela faleceu. Eu era
ainda seminarista, mas guardei essas palavras com a intenção de, sempre que
puder, dar o testemunho que ela gostaria de dar. O amor jamais acabará! Porque
tudo desculpa, tudo crê, tudo espera, tudo suporta.