Números da cheia no RS
revelam dados alarmantes, mas são incapazes de traduzir o cenário apocalíptico
pós-enchente
IHU-Unisinos,
08/6/2024
O Rio
Grande do Sul foi atingido por chuvas extremas desde o dia 27 de abril. Com
quase todos os municípios atingidos pela maior enchente da história dos gaúchos,
as regiões mais afetadas são os vales dos rios Taquari, Caí, Pardo, Jacuí,
Sinos, Gravataí, além do Guaíba, em Porto Alegre, e da Lagoa dos Patos, em
Pelotas e Rio Grande.
A enchente de
proporções bíblicas que atingiu o Estado do Rio Grande do Sul no
mês de maio, resultante de uma trágica combinação meteorológica oriunda
do novo regime climático global,
dá materialidade mórbida às previsões dos climatologistas sobre os efeitos
do aquecimento global.
Imagine
que toda a população do Catar, país que sediou a última Copa
do Mundo de futebol, precisamente todos os habitantes do país, fosse
atingida diretamente por uma enchente. Em números absolutos é isso o que
aconteceu no RS. A população afetada passa de 2,3 milhões de
pessoas. Ainda segundo o Boletim da Defesa Civil do dia 05 de
junho de 2024, 475 municípios foram atingidos, mais de 572 mil pessoas
continuam desalojadas, 172 mortos, 41 desaparecidos e um cenário de devastação
pelas ruas das cidades.
A frieza
dos números e até mesmo de palavras ou imagens não são suficientes para dar
dimensão de um estado que, no final das contas, transformou-se em ruínas. Com a
estiagem de uma semana e o trabalho de bombeamento de áreas alagadas, grande
parte da enchente cessou, mas bairros inteiros deixaram de existir, cidades
foram arrasadas, tem muita gente fora de casa, empresas destruídas e estradas e
pontes danificadas. Aeroporto, ferrovias, redes de energia e transporte público
não conseguiram operar ou foram avariados.
O inventário
da destruição levará meses (talvez anos) para ser feito, mas os
primeiros levantamentos começaram a ser estimados.
Danos à terra
Os prejuízos
à produção e ao solo alcançam R$ 25,5 bilhões, conforme estudo
da Faculdade de Agronomia da UFRGS e da Associação de
Conservação de Solo e Água. O valor é a soma da perda física de produto -
R$ 19,4 bilhões -, danos ao solo e aos nutrientes, outros R$ 6 bilhões.
Para
chegar a estes números, os pesquisadores dividiram o Estado em sete
mesorregiões. A maior perda ficou concentrada no Noroeste gaúcho,
onde também está concentrada a maior área utilizada para a monocultura.
Impactos no campo
Aproximadamente
206 mil propriedades rurais sofreram danos decorrentes
das inundações. 19,1 mil famílias tiveram perdas de infraestrutura, assim como
200 agroindústrias e mais de 34 mil famílias ficaram sem acesso à água potável,
de acordo com levantamento publicado pela Emater.
Com todos
os sistemas agroalimentares afetados, a perda de grãos é a
mais expressiva, com mais de 48 mil produtores afetados, principalmente das
culturas de soja e milho. Na pecuária são 3.711 criadores atingidos, com a
maior perda entre os criadores de aves, onde mais de 1,1 milhão de animais
morreram. Há prejuízos também nos bovinos de corte e de leite, abelhas, peixes
e suínos.
A perda
das pastagens ainda prejudicará a produção de carnes e leites nos próximos
meses.
Resíduos: cenário de guerra
Enquanto
a guerra em Gaza, que começou em 07 de outubro de 2023, gerou cerca
de 37 milhões de toneladas de entulhos, a enchente no RS deve
gerar em 47 milhões de toneladas, segundo aponta o resultado preliminar de um
estudo realizado pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS e
a Mox Debris.
Com mais
de 400 mil construções afetadas, estão previstos dois picos de geração de
resíduos. Num primeiro momento, serão descartados aproximadamente 5 milhões de
toneladas provenientes de móveis e equipamentos, além de 19 milhões de
toneladas de edifícios destruídos.
No
segundo momento, deve ocorrer uma alta nos resíduos oriundos das construções
que tiveram suas estruturas comprometidas.
Perdas nas empresas
O
mapeamento de uma startup catarinense, a LifesHub, indica que 194,5
mil empresas no RS foram afetadas pela cheia. Do total de empreendimentos,
121,6 mil são microempresas, com faturamento anual de R$ 360 mil, 61,4 mil
empresas de pequeno porte, 8,1 mil empresas de porte médio e 3,3 mil grandes
empresas.
O
levantamento é realizado por meio de tecnologias, como geolocalização e banco
de dados e tem em conta as companhias ativas dentro das áreas inundadas. A
maioria desses negócios está concentrada na Grande Porto Alegre e
nas regiões de Lajeado, Rio Grande e Santa
Cruz.
Queda no PIB
O
governador Eduardo Leite entregou
um ofício à presidência da república solicitando aporte da União para compensar
a queda da arrecadação. O documento prevê uma queda de 7% no Produto
Interno Bruto - PIB gaúcho. A redução total, considerando setores público e
privado, chega a R$ 22,1 bilhões.
Para esta
estimativa, foram levados em conta os danos à infraestrutura logística, a
paralisação das indústrias, a possível falência de empresas, o desemprego e a
diminuição de prestação de serviços.
A Secretaria da Fazenda aponta que o Rio Grande do Sul deixará
de recolher R$ 10 bilhões em impostos. As prefeituras também vão sentir os efeitos,
pois 50% do IPVA e 25% do ICMS ficam com os
municípios.
Prejuízos na educação
Mais de
40% das escolas do estado sofrem com as cheias. Totalizando 1.087 escolas
atingidas pela tragédia climática,
elas estão danificadas, têm problemas de acesso ou estão servindo de abrigo
emergencial. As 573 instituições de ensino atingidas impactam a vida de 359.181
estudantes, conforme levantamento da Secretaria da Educação no
dia 04 de junho de 2024.
Ao todo,
138 bibliotecas escolares perderam seus acervos, pois foram invadidas pela
água, assim como as salas de aula especiais tiveram equipamentos estragados.
Mais de
50 mil alunos seguem sem aulas, pois além das escolas com retorno já
programado, há 37 instituições de ensino, em diferentes cidades, com atividades
suspensas por tempo indeterminado.
Reconstrução
Em uma
primeira análise, professores da Faculdade de
Economia da UFRGS estimaram que o RS precisará de R$ 150
bilhões nos próximos anos para um plano robusto de reconstrução do estado.
Até o
momento, o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite,
anunciou a criação do Plano Rio Grande,
iniciativa destinada a reparar os danos causados pelas enchentes.
“O plano
prevê ações em três frentes. A primeira, com ações focadas no curto prazo,
prioriza a assistência social; a segunda envolve ações de médio prazo, como
empreendimentos habitacionais e obras de infraestrutura; e a terceira prevê
ações de longo prazo, como um plano de desenvolvimento econômico mais amplo”,
explica matéria da Agência Brasil.
O governo
federal, entre liberação de recursos, antecipação de benefícios e outras ações,
concedeu até o momento R$ 62,5 bilhões. No dia 06 de junho, em visita ao
estado, Lula anunciou o pagamento de dois meses de salários
mínimos a mais de 430 mil pessoas.
Entre
outras medidas já lançadas para ajudar às famílias, foi criado o Auxílio
Reconstrução, que pagará R$ 5,1 mil a cada família em parcela única. Também
foi anunciado o adiantamento do Bolsa Família para os
beneficiários, a liberação do FGTS para 228,5 mil
trabalhadores em 368 municípios, além da restituição antecipada do imposto de
renda para 900 mil pessoas.