Mobilização
Verde
Dom Walmor
Oliveira de Azevedo - Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte
A mobilização da sociedade brasileira
pela promoção da Campanha Junho Verde, além de óbvia ação político-cidadã,
contempla uma indispensável dimensão de espiritualidade. A Campanha Junho Verde
foi instituída por Lei Federal, demandando o envolvimento de todos, mesmo os
que não creem, mas balizam a própria conduta em adequados parâmetros éticos. É
preciso reconhecer que motivações espirituais também podem iluminar atitudes
cidadãs, conferindo-lhes força peculiar, incidência transformadora. Essa força
e incidência são especialmente necessárias no campo socioambiental,
consideradas as urgências climáticas, as graves consequências sociais da
exclusão, da pobreza e das discriminações que ferem o Brasil. As motivações que
brotam da fé, respeitadas as escolhas cidadãs, têm uma força moral capaz de
inspirar o exercício da cidadania de modo qualificado e independente. Importante
sublinhar que a vivência da fé no âmbito político-cidadão não deve ferir
autonomias e liberdades, mas enriquecê-las. Também no campo ecológico, a fé
constitui luzeiro na contemplação dos laços indissociáveis que ligam o ser
humano ao meio ambiente. Quem crê sabe que nenhuma criatura é dona
plenipotenciária de parte alguma no conjunto da criação, porque a terra
pertence a Deus.
A partir da sabedoria que brota da fé, o
ser humano compreende que deve obedecer às leis, combatendo arbitrariedades e
as costumeiras prepotências, justificadas e impulsionadas por inadequados
entendimentos sobre o que significa desenvolvimento. Esses entendimentos
inadequados são regidos por lógicas perversas e mesquinhas de lucros que
esgotam a criação. Um olhar emoldurado pela fé permite enxergar que no conjunto
da criação existem incontáveis e fantásticas manifestações da grandeza e da
amorosa inteligência de Deus. Não cabe, pois, à página espiritual do ser
humano, nenhum desatino de depredação e de uso prepotente de qualquer bem do
planeta, principalmente quando se reconhece que tudo, no conjunto da criação,
está interligado. Essa radical e incontestável interdependência, quando
desrespeitada, ocasiona prejuízos a todos, especialmente aos pobres e
deserdados da Terra.
A espiritualidade cristã é enriquecida
com a referência de Jesus, mestre e senhor, sempre em contato com a natureza,
ressaltando a sua beleza, inspirando gestos de apreço e respeito incondicional
à criação de Deus. Os discípulos de Jesus aprenderam com o Mestre os códigos da
contemplação. Descobriam, nas criaturas todas, além de sua riqueza natural, uma
dimensão sobrenatural, aprendida da plenitude de Cristo Ressuscitado. O
universo, portanto, não é objeto de exploração até o seu esgotamento. Ao invés
disso, é revestido de detalhes que enchem e enriquecem os olhos voltados à
contemplação, oferecendo um manancial de lições que equilibram a vida na
racionalidade e em uma sensibilidade que não permite manipulações. A
contemplação do universo, com os olhos sensibilizados pela fé, contribui para
superar paradigmas que arrasam, em nome de lucros e de desenvolvimentos
equivocados, os bens da criação. A adequada vivência da espiritualidade tem
força para fecundar a racionalidade humana, não permitindo os atuais e
costumeiros descalabros no tratamento da casa comum.
E a dimensão espiritual permite alcançar
o mistério que está em cada criatura, até mesmo em uma simples folha, no
orvalho, no rosto do pobre, fazendo brotar uma sabedoria que não está em
livros, mas no amor revelado na criação de Deus. A fé corrige insolências,
evitando os disparates contemporâneos, superando incompetências governamentais
e cidadãs na implementação, por exemplo, de tratados e compromissos ambientais.
Fica evidente que a vontade política precisa deixar-se iluminar pela dimensão
espiritual para alcançar a competência humanística indispensável à promoção de
um viver mais equilibrado na casa comum. O Papa Francisco, na Carta
Apostólica Laudate Deum, sublinha a importância de se caminhar em comunhão e
com responsabilidade, partindo do princípio de que Deus uniu todas criaturas.
Contesta a hegemonia do paradigma tecnocrático que ilude – faz o ser humano
acreditar que pode viver, de modo separado, daquilo que o rodeia.
A espiritualidade cristã reconhece e
defende o valor peculiar e central do ser humano no meio do maravilhoso
concerto de todos os seres. Mas, conforme bem sublinha o Papa Francisco, a vida
humana não pode ser compreendida, ou se sustentar, sem as outras criaturas. Não
se pode tratar parte das criaturas, desconsiderando todas as outras, sob pena
de perdas prejudiciais para o conjunto de seres vivos. Todas as criaturas
formam uma grande família que lógica alguma pode retalhar. Essa verdade
estabelece o desafio de serem alcançadas novas posturas, lógicas e adequadas
legislações, atualizadas, sem estreitamentos provocados pelos interesses
individuais ou de pequenos grupos privilegiados. Esse desafio deve ser
respondido a partir do sentido sagrado que vem da união de todas as criaturas
no mesmo mundo, compreendendo que o ser humano não é autônomo, onipotente e
ilimitado.
O Papa Francisco convida a se fazer um
caminho de reconciliação com a casa comum, hospedagem de todos, cultivando
valores essenciais a uma vida cidadã exemplar, capaz de inspirar decisões
adequadamente relevantes. Neste propósito, as mudanças virão com novos hábitos
pessoais, familiares e comunitários que estejam na contramão das atitudes dos
predadores da natureza. A sociedade tem decisiva e inadiável participação nos
grandes processos de mudança que são fundamentais para garantir a continuidade
da vida na casa comum – mobilizações verdes, com espiritualidade, para curar o
ser humano do desatino de querer tomar o lugar de Deus.