Esmola e caridade
Cardeal Orani João Tempesta - Arcebispo do
Rio de Janeiro (RJ)
Estamos
no período quaresmal e a sua espiritualidade se pauta em três pontos: oração,
jejum e esmola (caridade). Neste artigo, queremos refletir sobre a esmola
(caridade) e seu efeito espiritual para as nossas vidas.
Quando
ouvimos a palavra esmola, logo vem em nossas cabeças a imagem de algumas moedas
ou um trocadinho que tiramos do bolso para dar a um mendigo que nos pede, na
porta de casa, no farol ou nas calçadas das nossas cidades ou na porta de nossas
igrejas. Geralmente essa doação que fazemos é algo que nos sobra ou um restinho
do que a gente tem, mas, esmola (caridade) é muito mais do que isso. É dar mais
de si do que aquilo que se tem. É partilhar! Precisamos sim ajudar aos nossos
irmãos nas suas necessidades, a fome não espera, mas esmola é muito mais que
assistencialismo! É dar vida, dignidade, tirar o irmão da situação que ele se
encontra. Dar algo material é muito mais fácil e cômodo do que dar de si, do
seu tempo, das suas capacidades, daquilo que você sabe fazer, e principalmente
do amor humano carregado do amor Divino.
Mas
podemos nos perguntar: o que significa a esmola (caridade)? Dar esmola
significa dar de graça, dar sem interesse de receber de volta, dar sem egoísmo,
sem pedir recompensa, em atitude de compaixão. Nisto ele imita o próprio Deus
no mistério da criação e a Jesus Cristo, no mistério da Redenção. O homem
recebeu tudo do seu criador. Tudo quanto tem, possui-o porquê recebeu. Ora, se
Deus dá de graça e se o homem é criado à imagem e semelhança de Deus, se Cristo
se doou totalmente, dando sua vida, também ele será capaz de dar de graça. Ao
descobrir que dentro de si existe a sublime capacidade de dar de graça, a
exemplo de Deus e de Cristo, brota nele o desejo de celebrá-la.
Quando,
pois, na quaresma a Igreja convoca a todos os fiéis a darem esmola, ela
comemora aquele que por excelência exerceu a esmola: Jesus Cristo. Convida o
homem à atitude de abertura ao próximo, convida-o a servir ao próximo com
generosidade e desprendimento. Ora, neste momento a esmola começa a significar
toda esta atitude de doação gratuita. Não só de bens materiais, mas o tempo, o
interesse, as qualidades, o serviço, o acolhimento, a aceitação. E todo este
mistério de abertura e gratuidade em favor do próximo na imitação de Deus e de
Cristo possui então uma linguagem ritual. Tem valor de símbolo. Pela celebração
da esmola a Igreja comemora a generosidade de Cristo que deu sua vida pelos
seus e torna presente Cristo, dando-se a seus irmãos em cada irmão, formando o
seu corpo. Assim, quando a Igreja convida os fiéis a exercerem a esmola durante
a Quaresma, sabe muito bem que não é pela esmola em si que ela vai resolver os
problemas sociais e realizar a promoção humana, mas sabe também que é pelo que
a esmola significa que ela vai realizar uma verdadeira promoção humana.
Dessa
maneira, não é a quantia que importa, mas o que gesto ou o rito da esmola
significa. Exercitando a atitude da esmola durante a quaresma, a Igreja quer
levar os cristãos a viverem a atitude da esmola durante todo o ano, durante
toda a vida. Descobrimos, então, que no exercício da esmola está contida a
atitude de conversão, em relação ao próximo.
O
que diz o Catecismo da Igreja Católica: No Batismo, Deus infunde na alma, sem
nenhum mérito nosso, as virtudes, que são disposições habituais e firmes para
fazer o bem. As virtudes infusas são teologais e morais. As teologais têm como
objeto a Deus; as morais têm como objeto os bons atos humanos. As teologais são
três: fé, esperança e caridade.
No
que diz respeito da virtude teologal da caridade, ou seja, do amor, deve-se ter
em conta que o amor a Deus e o amor ao próximo são uma mesma e única coisa, de
modo que um depende do outro; por isto, tanto mais poderemos amar ao próximo
quanto mais amemos a Deus; e, por sua vez, tanto mais amaremos a Deus quanto
mais de verdade amemos ao próximo:
1822
a caridade é a virtude teologal pela qual amamos a Deus sobre todas as coisas,
por si mesmo, e a nosso próximo como a nós mesmos, por amor de Deus, §1823 Jesus
fez da caridade o novo mandamento. Amando os seus “até o fim” (Jo 13,1),
manifesta o amor do Pai que Ele recebe. Amando-se uns aos outros, os discípulos
imitam o amor de Jesus que eles também recebem. Por isso diz Jesus: “Assim como
o Pai me amou, também eu vos amei. Permanecei em meu amor” (Jo 15,9). E ainda:
“Este é o meu preceito: Amai-vos uns aos outros como eu vos amei” (Jo 15,12),
§1824 Fruto do Espírito e da plenitude da lei, a caridade guarda os mandamentos
de Deus e de seu Cristo: “Permanecei em meu amor. Se
observais os meus mandamentos, permanecereis no meu amor” (Jo 15,9-10), §1825
Cristo morreu por nosso amor quando éramos ainda “inimigos” (Rm 5,10). O Senhor
exige que amemos como Ele, mesmo os nossos inimigos, que nos tornemos o
próximo do mais afastado, que amemos como Ele as crianças e os pobres.
O
apóstolo S. Paulo traçou um quadro incomparável da caridade: “A caridade é
paciente, a caridade é prestativa, não é invejosa, não se ostenta, não se incha
de orgulho. Nada faz de inconveniente, não procura o seu próprio interesse, não
se irrita, não guarda rancor. Não se alegra com a injustiça, mas se regozija
com a verdade. Tudo desculpa tudo crê, tudo espera, tudo suporta” (l Cor
13,4-7).
Portanto,
eis o grande convite para este tempo quaresmal. Que vivamos intensamente a
oração, que cumpramos com a oração e o jejum como forma de moldarmos ainda mais
o nosso coração a vontade de Deus e que exerçamos a esmola (caridade) como
forma de doação do que temos e somos ao serviço daqueles que mais necessitam.