Discurso do papa
Francisco aos estudantes da Universidade Católica de Lovaina, na Bélgica
O papa Francisco
encontrou-se com os estudantes da Universidade Católica de Lovaina ontem (28),
no terceiro dia da sua visita apostólica a Bélgica.
Queridos
irmãos e irmãs, bom dia!
Obrigado,
Senhora Reitora, pelas suas amáveis palavras. Queridos estudantes, estou feliz
por vos encontrar e por ouvir as vossas reflexões. Nelas encontro paixão e
esperança, desejo de justiça, procura de verdade.
Entre
as questões abordadas, impressionou-me aquela que se refere ao futuro e à
angústia. Damo-nos conta de como é violento e arrogante o mal que destrói o
meio ambiente e os povos. Parece não ter limites. A guerra é a sua expressão
mais brutal – sabeis que em um País, que não nomearei, os investimentos que
geram mais lucro hoje são as fábricas de armamentos, isso é terrível – e parece
que não há como frear esse processo: a guerra é uma expressão brutal; tal como
a corrupção e as formas modernas de escravidão. Guerra, corrupção e novas
formas de escravidão. Por vezes, estes males contaminam a própria religião,
tornando-se um instrumento de domínio. Estai atentos! Isto é uma blasfémia. A
união dos homens com Deus, que é Amor salvífico, torna-se assim escravidão. Até
mesmo o nome pai, que é uma revelação de solicitude, se transforma numa
expressão de prepotência. Deus é Pai, não patrão; é Filho e Irmão, não ditador;
é Espírito de amor, e não de domínio.
Nós,
cristãos, sabemos que ao mal não cabe a última palavra – e sobre isso devemos
estar seguros: o mal não tem a última palavra – e que ele tem, como se costuma
dizer, os dias contados. Tal não diminui o nosso compromisso, muito pelo
contrário, aumenta-o: a esperança é uma das nossas responsabilidades. Uma
responsabilidade a ser assumida pois a esperança jamais decepciona. E esta
certeza vence aquela consciência pessimista, ao estilo da Turandot (personagem
principal da ópera homônima) … a esperança jamais decepciona!
E
agora, três palavras: gratidão, missão, fidelidade.
A
primeira atitude é a gratidão, porque esta casa foi-nos dada: não somos donos,
somos hóspedes e peregrinos sobre a terra. O primeiro a tratar dela é Deus.
Nós, antes de mais, somos alvo dos cuidados de Deus, que criou a terra – diz
Isaías – “não como uma região caótica, mas pronta para ser habitada” (cf. Is
45, 18). O salmo oitavo está repleto de gratidão maravilhada: «Quando contemplo
os céus, obra das tuas mãos, / a Lua e as estrelas que Tu criaste: / que é o
homem para te lembrares dele, / o filho do homem para com ele te preocupares?»
(Sl 8, 4-5). A oração que me brota do coração é: Obrigado, ó Pai, pelo céu
estrelado e pela vida no Universo!
A
segunda atitude é a missão. Estamos no mundo para preservar a sua beleza e cultivá-la
a bem de todos, especialmente da posteridade, dos vindouros. Este é o “programa
ecológico” da Igreja. Porém, nenhum projeto de desenvolvimento será
bem-sucedido se a arrogância, a violência e a rivalidade permanecerem nas
nossas consciências e também na nossa sociedade. Temos de ir à fonte do
problema, que é o coração humano. É também do coração do homem que vem a
urgência dramática da questão ecológica: da indiferença arrogante dos
poderosos, que colocam sempre os interesses económicos acima de tudo, ou seja,
o dinheiro. Lembro-me de algo que a minha avó sempre me dizia: “Sê vigilante na
vida, pois o diabo entra pelos bolsos”. O interesse econômico. Enquanto assim
for, todos os apelos serão silenciados ou serão acolhidos apenas na medida em
que forem convenientes para o funcionamento do mercado. Esta “espiritualidade”,
digamo-lo assim, de mercado. E enquanto o mercado estiver em primeiro lugar, a
nossa casa comum sofrerá injustiças. A beleza da dádiva reclama a nossa
responsabilidade: somos hóspedes, não tiranos. A este respeito, queridos
estudantes, encarai a cultura como o cultivo do mundo e não apenas como cultivo
de ideias.
Eis
aqui o desafio do desenvolvimento integral, que exige a terceira atitude: a
fidelidade. Fidelidade a Deus e fidelidade ao homem. Na verdade, este
desenvolvimento diz respeito a todas as pessoas em todos os aspectos da sua
vida: físico, moral, cultural, sociopolítico; e opõe-se a qualquer forma de
opressão e de descarte. A Igreja denuncia estes abusos, empenhando-se, antes de
mais, na conversão de cada um dos seus membros, de nós próprios, à justiça e à
verdade. Neste sentido, o desenvolvimento integral apela à nossa santidade: é
vocação para uma vida justa e feliz, para todos.
Agora,
a opção a fazer está, pois, entre manipular a natureza ou cultivá-la. Assim é a
opção: manipulo a natureza ou a cultivo. A começar pela nossa natureza humana –
pensemos na eugenia, nos organismos cibernéticos, na inteligência artificial. A
opção entre manipular ou cultivar diz também respeito ao nosso mundo interior.
Pensar
na ecologia humana leva-nos a um assunto que vos é caro, como o tem sido para
mim e para os meus Predecessores: o papel das mulheres na Igreja. Me agrada o
que disseste. Neste âmbito, pesam muito a violência e a injustiça, juntamente
com os preconceitos ideológicos. Por isso, temos de redescobrir o ponto de
partida: quem é a mulher e quem é a Igreja. A Igreja é mulher: não é “o”
Igreja, mas “a” Igreja, é a esposa. A Igreja é o povo de Deus, não uma empresa
multinacional. A mulher, no Povo de Deus, é filha, irmã, mãe. Tal como eu sou
filho, irmão, pai. São as relações que exprimem o nosso ser à imagem de Deus,
homem e mulher, juntos, não em separado! Com efeito, as mulheres e os homens
são pessoas, não indivíduos; são chamados desde o “princípio” para amar e serem
amados. Uma vocação que é missão. Daqui deriva o seu papel na sociedade e na
Igreja (cf. São João Paulo II, Carta ap. Mulieris Dignitatem, 1).
Não
é o consenso nem são as ideologias que sancionam o que é caraterístico da
mulher, o que é feminino. A dignidade é assegurada por uma lei original,
escrita não no papel, mas na carne. A dignidade é um bem inestimável, uma
qualidade original, que nenhuma lei humana pode dar ou tirar. A partir desta
dignidade, comum e partilhada, a cultura cristã elabora sempre de novo, em
diferentes contextos, a missão e a vida do homem e da mulher e o seu mútuo ser
um para o outro, em comunhão. Não um contra o outro – isto seria feminismo ou
machismo – e não com reivindicações opostas, mas o homem pela mulher e a mulher
pelo homem, juntos.
Recordemos
que a mulher está no centro do acontecimento salvífico. É a partir do “sim” de
Maria que o próprio Deus vem ao mundo. A mulher é acolhimento fecundo, cuidado,
dedicação vital. Por isso a mulher é mais importante que o homem, e é triste
quando a mulher quer fazer-se homem: não, é mulher, e isto “tem peso”, é
importante. Abramos os olhos para os muitos exemplos quotidianos de amor, das
amizades ao trabalho, do estudo à responsabilidade social e eclesial, da
conjugalidade à maternidade ou à virgindade em favor do Reino de Deus e do
serviço. Não esqueçamos, repito: a Igreja é mulher, não é masculina, é mulher.
Vós
próprios estais aqui para crescer como mulheres e como homens. Enquanto
pessoas, estais a caminho, em formação. É por isso que o vosso percurso
académico abrange diferentes âmbitos: investigação, amizade, serviço social,
responsabilidade civil e política, expressão artística...
Penso
na experiência que todos os dias viveis, nesta Universidade Católica de
Lovaina, e partilho três aspectos, simples e decisivos, da formação: Como
estudar? Porquê estudar? E para quem estudar?
Como
estudar: como em qualquer ciência, não existe apenas um método, mas também um
estilo. Cada um pode cultivar o seu. Efetivamente, o estudo é sempre um caminho
para o conhecimento de si mesmo e dos outros. Mas há ainda um estilo comum que
pode ser partilhado na comunidade universitária. Estuda-se em conjunto: com
aqueles que chegaram antes de mim – professores, colegas mais adiantados –, e
com aqueles que estão ao meu lado, na sala de aula. A cultura enquanto
autocuidado implica cuidarmos uns dos outros. Não existe uma guerra entre
estudantes e professores, mas o diálogo. Às vezes é um diálogo um pouco
intenso, mas é diálogo que faz crescer a comunidade universitária.
Segundo:
porquê estudar. Há uma razão que nos move e um objetivo que nos atrai, que
devem ser bons, porque deles depende o sentido do estudo, depende a direção da
nossa vida. Por vezes, estudo com o objetivo de conseguir aquele tipo de
trabalho, acabando por viver em função dele. Tornamo-nos “mercadoria” se
vivermos em função do trabalho. Não se vive para trabalhar, trabalha-se para
viver; é fácil dizê-lo, mas pô-lo em prática com coerência implica empenho. E a
palavra coerência é muito importante para todos, mas especialmente para vós,
estudantes. Deveis aprender esta atitude: ser coerentes.
Terceiro:
para quem estudar. Para si próprio? Para prestar contas aos outros? Estudamos
para poder educar e servir os outros, antes de mais com o serviço da
competência e da autoridade. Em vez de nos perguntarmos se estudar serve para
alguma coisa, preocupemo-nos em servir alguém. Uma bela pergunta que o
estudante universitário pode propor-se: A quem sirvo? A mim mesmo? Ou tenho o
coração aberto para um outro serviço? Então, o grau universitário atesta
aptidão para o bem comum. Estudo para mim, para trabalhar, para ser útil, para
o bem comum. E tudo isto deve ser muito balanceado.
Queridos
estudantes, é para mim uma alegria partilhar convosco estas reflexões. Ao fazê-lo,
apercebemo-nos de que há uma realidade maior que nos ilumina e ultrapassa: a
verdade. “O que é a verdade?” Pilatos formulou esta pergunta. Sem a verdade, a
nossa vida perde sentido. O estudo faz sentido quando procura a verdade, quando
busca encontrá-la, mas com senso crítico. Para encontrar a verdade é necessário
ter senso crítico, assim podemos avançar. O estudo faz sentido quando procura a
verdade, não o esqueçais. E, ao procurá-la, compreende que fomos feitos para a
encontrar. A verdade deixa-se encontrar: é acolhedora, disponível e generosa.
Se renunciarmos a procurar juntos a verdade, o estudo torna-se um instrumento
de poder, de controlo sobre os outros. Confesso-vos que me entristece quando
encontro, em qualquer parte do mundo, universidades que preparam os estudantes
somente para lucrar ou ter poder. Isso é exageradamente individualista, não
comunitário. A alma mater é a comunidade universitária, a universidade, aquilo
que nos ajuda a construir a sociedade, a construir fraternidade. Não serve o estudo
sem (buscar a verdade) ao mesmo tempo, não serve, mas domina. Pelo contrário, a
verdade torna-nos livres (cf. Jo 8, 32). Caros estudantes, quereis a liberdade?
Sede buscadores e testemunhas da verdade! Procurai ser credíveis e coerentes
através das escolhas quotidianas mais simples. Assim, esta torna-se, todos os
dias, aquilo que quer ser: uma Universidade Católica! Segui em frente e não
entreis em lutas com as dicotomias ideológicas. Não esqueçais: a Igreja é
mulher e (saber) isto nos ajudará muito.
Obrigado
por este encontro. Obrigado a ti que foste corajosa! Ao vosso caminho de
formação e a todos vós, de coração abençoo. E peço-vos, por favor que rezeis
por mim. E se alguém não reza ou não sabe rezar ou não quer rezar, pelo menos
mande-me “boas ondas”, que são necessárias. Obrigado!
Fonte:
ACIDigital