A oração do pobre
Cardeal Odilo Pedro Scherer - arcebispo
metropolitano de São Paulo
No próximo dia 17 de novembro, a Igreja celebra mais uma vez o Dia
Mundial dos Pobres, essa bela iniciativa do pontificado do Papa Francisco. O
objetivo da comemoração é “trazer os pobres para o meio” das atenções e
preocupações da Igreja e também da sociedade. Os pobres são tantos e se tornam
cada vez mais numerosos. Seus sofrimentos não nos devem deixar indiferentes.
Para nós, cristãos, o cuidado caridoso e fraterno dos pobres é sinal de
autenticidade de nossa fé, tanto que o evangelista São João perguntou, já no
início do Cristianismo: “Se alguém possui bens neste mundo e, vendo seu irmão
em necessidade, lhe fecha o coração, como pode o amor de Deus permanecer nele?”
(1Jo 3,17).
A cada ano, o Papa envia uma mensagem à Igreja por ocasião do Dia
Mundial dos Pobres. A deste ano, dedicado à oração em preparação ao Jubileu de
2025, trata da oração do pobre, que “sai de sua boca e vai direto aos ouvidos
de Deus” (cf. Sr 21,5). É uma verdade bem conhecida na Bíblia, que Deus escuta
a oração dos humildes e dos pobres e que eles têm um lugar privilegiado no
coração de Deus. “A oração do humilde penetra as nuvens e ele não se consolará
enquanto ela não chegar até Deus e não se afastará enquanto o Altíssimo não
olhar e o justo Juiz não fizer justiça” (Sr 35,21). Deus, como um pai atento e
carinhoso para com todos, conhece os sofrimentos dos seus filhos e se preocupa
com aqueles que mais precisam Dele: os pobres, os marginalizados, os que sofrem,
os esquecidos... Ninguém está excluído do seu coração, uma vez que, diante
d’Ele, todos somos pobres e necessitados. Somos todos mendigos, pois sem Deus
não seríamos nada. Nem sequer teríamos vida, se Deus não a tivesse dado a nós”
(Mensagem, n. 5).
Francisco convida a aprender dos pobres a oração da fé, confiança e
humildade. Eles não têm de quê se vangloriar, não possuem nada para “dar em
troca” a Deus nas suas preces e sabem que dependem inteiramente da benevolência
de Deus. E Deus acolhe as suas preces confiantes e humildes. Nós poderíamos ser
tentados a rezar como aquele fariseu da parábola do Evangelho, que se
apresentou diante de Deus relatando seus próprios méritos, quase a cobrar tudo
o que Deus lhe devia... Jesus concluiu que a oração desse fariseu não foi boa e
não agradou a Deus. A oração do publicano, ao contrário, foi humilde e
confiante: ele reconheceu seus erros e seu nada, e pediu que Deus tivesse
compaixão dele. E Jesus concluiu que essa oração foi boa e Deus gostou dela
(cf. Lc 10,9-18). Em nossa oração, nunca devemos cobrar contas de Deus, nem
tentar negociar com Ele. Quem somos nós?!
Se é importante aprender dos pobres a rezar, também é importante rezar
com eles e convidá-los a participar de nossas orações comunitárias. Neste ano,
de maneira especial, o Papa pede que a preparação do Ano Jubilar de 2025 seja
feita pela oração. Seria difícil convidar e reunir os pobres que estão em
nossas praças para rezar com eles em nossas igrejas e capelas? O Papa recorda
algo que já escreveu na exortação Evangelii gaudium (2013): “a pior
discriminação que sofrem os pobres é a falta de cuidado espiritual. A imensa
maioria dos pobres possui uma especial abertura à fé; tem necessidade de Deus e
não podemos deixar de lhes oferecer a sua amizade, a sua bênção, a sua Palavra,
a celebração dos Sacramentos e a proposta de um caminho de crescimento e
amadurecimento na fé. A opção preferencial pelos pobres deve traduzir-se,
principalmente, em uma solicitude religiosa privilegiada e prioritária” (n.
200).
Mas ainda há mais: por que não pedir que os pobres rezem por nós? Nada
mais natural, uma vez que a sua oração “chega direto aos ouvidos de Deus”. E se
estivermos atentos às suas palavras nas esquinas e praças, onde pedem esmolas
ou recebem alguma ajuda, nos daremos conta de que eles fazem muitas preces
pelos seus benfeitores: “Deus lhe pague!”; “Deus lhe dê saúde e cubra de
bênçãos você e sua família”; “Deus lhe dê em dobro o que me deu”; “Deus nunca
deixe faltar nada em sua vida”. Essas manifestações de gratidão, na verdade,
são orações breves que eles dirigem a Deus no momento em que receberam algo. É
bom ser abençoado pelos pobres. Mesmo por pequenos gestos de caridade, somos
abençoados pelos pobres e eles rezam por nós. E acabamos ganhando mais do que
doamos a eles...