A Eucaristia: Jesus e os Pobres
Dom
José Ionilton Lisboa de Oliveira - Bispo
nomeado do Marajó (PA)
A
Eucaristia e Jesus
Marcos
em seu evangelho escreve que enquanto comiam, Jesus tomou o pão, partiu-o e
entregou aos discípulos dizendo: tomai, isto é o meu corpo (cf. 14, 22). E
escreve, também, que Jesus tomou o cálice e entregou aos discípulos e todos
beberam. E disse: isto é o meu sangue (cf. Mc 14, 24).
A
Eucaristia, portanto, foi instituída por Jesus para ser comida e bebida. A
adoração eucarística veio bem depois no desenvolvimento da história da Igreja.
A
Eucaristia é “fonte e centro de toda a vida cristã” (Concílio Vaticano II,
Lumen Gentium, 11). São João Paulo II disse que “A Igreja vive da Eucaristia”
(Ecclesia Eucharistia, 1).
Por
isto a Igreja ensina que a Eucaristia é única; não tem uma maior ou mais
importante do que outra. A Eucaristia celebrada em uma Comunidade Ribeirinha na
Amazônia, embaixo de uma árvore, é a mesma Eucaristia celebrada pelo Papa no
Vaticano.
A
Eucaristia é Jesus
Cremos
que o pão e o vinho são transubstanciados a partir da consagração feita durante
a celebração da Eucaristia. Já não é mais pão, embora pareça pão, é corpo de
Cristo; já não é mais vinho, embora pareça vinho, é o sangue de Cristo. Ou
seja, na Eucaristia está Jesus.
Com
esta verdade de nossa fé, poderemos afirmar que Jesus pode curar e libertar
qualquer pessoa que participa de uma celebração eucarística, em qualquer lugar
do mundo, onde Ele quiser. Não existe celebração da Eucaristia onde Jesus age e
outra onde Ele não age.
Por
isto, não devemos acreditar em quem na nossa Igreja propaga as chamadas ‘missas
de cura e libertação’. Elas não existem! Toda missa pode ser missa de cura e
libertação, porque Jesus, o Curador, o Libertador, está presente em todas as
celebrações da Eucaristia, independentemente do ministro que a presida e
independentemente do lugar onde a celebração aconteça.
Eucaristia
e merecimento
Na
Exortação Apostólica “A alegria do Evangelho”, nº 47, o Papa Francisco nos faz
a seguinte provocação: “A Eucaristia, embora constitua a plenitude da vida
sacramental, não é um prêmio para os perfeitos, mas um remédio generoso e um
alimento para os fracos”.
Portanto,
a Eucaristia é para nós caminheiros, na busca da santidade, mas não ainda
santos, santas. Devemos evitar a ideia de merecimento. Ninguém merece receber a
Eucaristia. A Eucaristia é dom, é graça de Deus.
Os
três evangelhos sinóticos e São Paulo transmitiram-nos a narração da
instituição da Eucaristia (Mt 26, 26-29; Mc 14, 22-25; Lc 22, 14-20; 1Cor 11,
23-26). Nestes relatos
aparecem
de forma clara, que a Eucaristia foi instituída por Jesus e entregue para nós:
tomai e comei; tomai e bebei. Todos que estavam na última ceia receberam a
Eucaristia das mãos de Jesus. Todos, até mesmo Judas, o traidor (cf. Jo 13,
26).
A
Eucaristia é serviço
Na
última ceia, antes de sua prisão e condenação, Jesus lava os pés dos Apóstolos,
ensinando-nos o caminho do serviço e institui a Eucaristia, antecipando
sacramentalmente o que Ele faria na Cruz no dia seguinte, doando a sua vida por
nós, amando-nos até o fim, (cf. Jo 13, 1-17).
Eucaristia,
acima de tudo, é isto: Vida de Jesus doada pela humanidade, como nos narra
Lucas: “Isto é o meu corpo que é dado por vós… Este cálice é a nova aliança no
meu sangue que é derramado por vós” (22, 19-20). Corpo dado e sangue derramado
por nós.
Quem
participa de uma celebração da Eucaristia e quem comunga com Jesus na
Eucaristia, precisa continuar fazendo o que Ele fez e mandou que a gente
fizesse: “Fazei isto em memória de mim” (Lc 22, 19) e “dei-vos o exemplo para
que façais assim como eu fiz” (Jo 13, 15).
Neste
sentido quero partilhar um ensinamento de São Justino Russolillo, fundador das
Congregações Vocacionistas, sobre a Eucaristia: “Como mudaria nossa vida se
compreendêssemos a vida Eucarística de Jesus”.
Santo
Agostinho dizia: “Não somos nós que transformamos Jesus Cristo em nós, como
fazemos com os outros alimentos que tomamos, mas é Jesus Cristo que nos
transforma nele”.
Jesus
na Eucaristia e Jesus nos Pobres
“O
Cristo reconhecido na Eucaristia remete ao encontro e serviço aos pobres”
(CNBB. Comunidade de Comunidades: uma nova Paróquia, n. 275).
“O
compromisso social tem sua raiz na própria fé; deve ser manifestado por toda a
comunidade cristã e não apenas por algum grupo ou pastoral social; uma
comunidade insensível às necessidades dos irmãos e à luta para vencer as
injustiças, celebra indignamente a liturgia” (DGAE da Igreja no Brasil 2008 a
2010, n. 178).
O
que diz a CNBB está em sintonia com o que o apóstolo Paulo diz na primeira
carta aos Coríntios, quando qualifica como «indigna» uma comunidade cristã que
celebra a Ceia do Senhor em um clima de discórdia e de indiferença pelos pobres
(cf. 1Cor 11, 17-22.27-34).
Portanto,
“é necessário evitar a separação entre culto e misericórdia, liturgia e ética,
celebração e serviço aos irmãos. (Documentos CNBB 100, n. 275 – Comunidade de
Comunidades: uma nova paróquia).
Podemos
aprender da letra de um Canto que nos faz rezar assim: “Igualdade,
fraternidade, nesta mesa nos ensinais. As lições que melhor educam, na
Eucaristia é que nos dais! Se participamos da Eucaristia, é grande a alegria
que Deus oferece. Porém não podemos deixar esquecida a dor, nesta vida, que o
pobre padece”.
Lembremos
do que nos ensina São João Paulo II na Carta Apostólica para o Ano da
Eucaristia (outubro 2004 a outubro de 2005): “A Eucaristia não é expressão de
comunhão apenas na vida da Igreja; é também projeto de solidariedade em prol da
humanidade inteira” (nº 27) e “não podemos nos iludir: do amor mútuo e, em
particular, da solicitude por quem passa necessidade, seremos reconhecidos como
verdadeiros discípulos de Cristo (cf. Jo 13,35; Mt 25,31-46). Com base neste
critério, será comprovada a autenticidade das nossas celebrações eucarísticas”.
Diz-nos
São João Crisóstomo (347-407): “Queres honrar o corpo de Cristo? Não o
desprezes quando nu; não o honres com vestes de seda e abandones no frio e na
nudez o aflito. Pois aquele que disse: ‘Isto é o meu corpo’ (Mt 26, 26) e
confirmou com o ato a palavra, é o mesmo que falou: ‘Tu me viste faminto e não
me alimentaste’ (Mt 25, 35) e ‘o que não fizeste a um destes pequeninos, não o
fizeste a mim’ (Mt 25, 45). Este não tem necessidade de vestes, mas de corações
puros, aquele, porém, precisa de grande cuidado… Que proveito haveria, se a
mesa de Cristo está coberta de taças de ouro e ele próprio morre de fome? Sacia
primeiro o faminto e depois, do que sobrar, adorna a sua mesa… Enquanto adornas
a casa, não desprezes o irmão aflito, pois é mais precioso que o templo” (III
volume da Liturgia das Horas, pp. 154-155).
O
Papa Bento XVI disse: “Quem participa da Eucaristia, deve empenhar-se na
edificação da paz, neste nosso mundo marcado por muitas violências e guerras, e
hoje de modo particular, pelo terrorismo, a corrupção econômica e a exploração
sexual” (Exortação Apostólica pós- sinodal sobre a Eucaristia, nº 89b).
Na
Carta de conclusão do XV Congresso Eucarístico Nacional, realizado em
Florianópolis – SC, realizado de 18 a 21 de maio de 2006, está escrito que na
Eucaristia:
1.
Aprendemos a lutar por iniciativas e práticas solidárias;
2.
Descobrimos nossa missão de construir uma sociedade de justiça e igualdade,
onde os pobres, prediletos de Deus Pai e de Jesus de Nazaré, sejam postos no
primeiro lugar;
3.
Fortalecemos o cuidado com o meio ambiente.
Nove
(9) anos depois, em 2015, na Encíclica Laudato Si’ o Papa Francisco nos ensina:
“Eucaristia: fonte de luz e motivação para as nossas preocupações pelo meio
ambiente e leva-nos a ser guardiões da criação inteira” (nº 236).
O
Sínodo para a Amazônia constatou que “muitas comunidades eclesiais do
território amazônico têm enormes dificuldades em ter acesso a Eucaristia. Às
vezes, não apenas meses se passam, mas vários anos para um sacerdote visitar a
comunidade e celebrar a Eucaristia” (DF 111).
O
Papa Francisco na Querida Amazônia diz: “É urgente fazer com que os povos
amazônicos não estejam privados do alimento de vida nova (Eucaristia) e do
sacramento do perdão (Reconciliação)” (n. 89).
Por
isto, o Papa nos pede, também, para “promover a oração pelas vocações
sacerdotais” e a “rever a fundo a estrutura e o conteúdo da formação inicial e
da formação permanente dos presbíteros” (n. 90), a fim de que possamos ter, na
Amazônia, os ministros que presidem a celebração destes dois Sacramentos:
Eucaristia e Reconciliação.
“A
força da presença de Deus hoje no mundo é justamente à mesa, na Eucaristia com
Jesus. Por isto peçamos que dê de comer a todos nós. Dar de comer aquele
alimento espiritual que nos fortifica, à mesa na Eucaristia, mas também dar de
comer a todos, neste mundo onde o reino da fome é tão cruel” (Papa Francisco em
entrevista na TV2000 dos bispos italianos, 22 de novembro de 2017).
O
Padre Pedro Arrupe, Geral dos Jesuítas, disse: “Se em alguma parte do mundo
existe fome, nossa celebração Eucarística está de alguma maneira incompleta. Na
Eucaristia recebemos Cristo que tem fome no mundo. Ele vem ao nosso encontro
junto com os pobres, os oprimidos, os famintos da terra, que através dele nos
olham esperando ajuda, justiça, amor expresso em ações. Não podemos receber
plenamente o pão da vida, se não damos ao mesmo tempo pão para a vida daqueles
que se encontram em necessidade onde quer que estejam” (citado pelo Texto Base
da Campanha da Fraternidade de 2023, nº 153).
“Não
sejamos apenas crentes, mas acreditáveis” (Servo de Deus Helder Câmara).